A Dor da Dúvida

A dor é o principal sintoma pelo qual os paciente procuram o reumatologista e geralmente o fazem quando não há uma causa evidente. Quando se tropeça ou batemos o cotovelo na porta, é evidente a causa da dor, mas quando não acontece isso ou quando essa dor se prolonga além do habitual? O que aconteceu? O que está causando isso?

Em primeiro lugar, imaginamos que houve alguma lesão mais séria, talvez uma fratura ou rompimento de algum ligamento quem sabe, talvez seja melhor fazer um raio X. Vamos lá fazer o raio X ou a tomografia. Quebrou! Então vamos operar, vai dar tudo certo! Vida que segue… Mas não, o raio X ou a tomografia não mostrou nenhum osso quebrado. Então está bem! Agora é hora do ultrassom ou da ressonância ver se tem algo rompido. E realmente veio um ligamento rompido ou quase rompido, é preciso operar? Sim ou não, mas bem, eu já sei o que tenho, vida novamente segue, ou opero, ou isso vai passar. Mas e quando não passa, o que fazer? É melhor entender um pouco mais a fundo.

Em cada minúscula área do nosso corpo existe uma fibra nervosa que ‘sente’ seja dor, pressão, calor, frio e isso é muito importante pelo motivo óbvio de que precisamos saber onde estamos, como estamos e se é seguro permanecer ali. O nervo normalmente  ‘sente’ por que recebe um estímulo, pode ser físico, principalmente no primeiro momento, mas depois invariavelmente torna-se químico. As substâncias que causam ‘dor nos nervos’, em geral, também causam inchaço e vermelhidão naquela área, o que chamamos de inflamação.

A inflamação é muito importante por que ela é nossa primeira resposta aos danos que sofremos, é ela que faz com que não movamos e lesionemos ainda mais uma articulação sobrecarregada e inicia o processo de regeneração daquela área, por exemplo. Mas há vezes em que aquela área não consegue se regenerar, e a inflamação persiste, seja por que está sob constante ‘ataque’ ou por que há algo muito mais misterioso acontecendo. Às vezes acontece de o sistema de defesa do nosso corpo ‘entender’ que aquela área deve ser combatida. Que loucura, né? E esse problema existe, é o que chamados doenças autoimunes. Quando elas acometem os músculos, ossos ou articulações, chamamos de doenças reumáticas autoimunes. Às vezes essas mesmas doenças reumáticas também atacam o coração, o pulmão, fígado, os rins, o cérebro. Isso mesmo, o cérebro!

Qual é a causa dessas doenças? Para ser bem sincero, não sabemos. Mas sabemos que é mais comum em pessoas que têm familiares com esse tipo de doença e que certos genes são muito frequentes, o que nos leva a crer que a genética é importante. Porém em muitos casos isso não acontece. Dependendo da doença, é mais comum em mulheres, o que faz com que pensemos que os hormônios têm algo relacionado a isso, mas nem sempre. Dependendo da doença, às vezes é mais comum em criança, em jovens, pessoas de meia idade ou idosos. O cigarro também está bastante relacionado em algumas delas. Cada uma tem seus ‘segredinhos’.

Se não sabemos a causa, então não há cura, correto? Correto! Aí você pensa, não tem jeito, sou um amaldiçoado, vou sofrer com essas dores até o fim da vida. Começo a reclamar para todos, mas ninguém entende. No trabalho não consigo fazer minhas funções adequadamente e começam a me cobrar pelos erros que cometi, aí explico que é por causa da minha doença, então as pessoas começam a me olhar e tratar estranhamente. Me afasto do trabalho. Não durmo bem à noite, meu esposo pergunta como ajudar, eu também não sei. De repente percebo que posso forçá-lo a fazer cada vez mais coisas para mim por causa da minha doença. Percebo ele cada vez mais aborrecido e isso me irrita, como ele não entende? Não faço mais exercícios por causa das dores, mesmo aqueles que eu consigo. E é claro que ninguém precisa saber disso. Me sinto cada vez mais triste, sem ânimo, sozinha, e a angústia toma conta de mim, eu só penso na dor, e ela vai crescendo e crescendo até que ela se torna a única coisa existente na minha vida! Estou no mundo, não estou bem, todo lugar é inseguro! Que vida miserável! Você tem certeza que quer viver a vida assim?

Antes era apenas o seu nervo que sentia. Agora seu coração palpita, sua respiração acelera, sua mente está doente. O nervo já se modificou, ele não precisa mais de um estímulo para emitir a dor, sua medula espinhal já não controla bem a resposta a ela, seu cérebro está ativando a mesma área seja por que há um estímulo de dor, seja por que você recebeu um não como resposta. A distinção entre a dor física e a emocional se torna cada vez mais difícil. Sua mente se modificou, seu corpo se modificou, você já não é mais igual.

Mas no fundo você sabe que é possível viver de outra forma. Sabe que você é responsável por estar assim. Não foi você quem escolheu ter essa doença, é verdade, mas você resolveu se entregar e entregar sua vida para que ela tomasse de conta. Não faça isso. Jamais desista de si mesmo. Pode não haver cura, é verdade, mas para isso existem os bons médicos, psiquiatras, neurologistas, reumatologistas, fisioterapeutas… Todos se perguntando sobre o por quê de como as coisas acontecem, estudando e pesquisando sobre qual é o melhor remédio. Não são os donos da razão, são seus companheiros para descobrir qual é a melhor forma de viver, reduzindo as dores, enfrentando problemas pontuais ou a longo prazo, lidando com os efeitos colaterais das medicações, sugerindo mudanças de comportamento e formas de se enxergar as situações. Fazendo você se movimentar, se modificar, e sentir o vento e calor do sol no rosto, a vida que apesar de cheia de dúvidas é linda de ser vivida.

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