Ventilador, a melhor invenção do mundo

            A resposta factual, ou seja, uma resposta definitiva que explique o porquê da vida está necessariamente atrelada à dor é desconhecida. Não sabemos se existe uma razão maior para isso. Mas nós sabemos que essa é a realidade. E também sabemos que a dor tem a função de alertar e de nos informar de que algo não está bem e de que algo põe em risco a nossa vida como ela é. E o que nos incomoda faz com que nos movamos para resolver um determinado problema. Um exemplo clássico desse efeito é o calor e a fome.



Se estivermos bem alimentados e em um temperatura agradável, o mais provável é que permaneçamos naquela situação sem fazer muita coisa. A medida que o tempo passa e aumenta-se a temperatura, começamos a sentir fome e calor. Em pouco tempo teremos que ligar um ventilador ou ar condicionado, além de fazer um lanche para saciar a fome. Um ar fresquinho do ar condicionado ou o lanche saboroso com o qual nos deliciamos nos traz prazer e satisfação. Sem a fome e o calor não teríamos esse prazer. Ao mesmo tempo poderíamos não ter um ar condicionado disponível ou mesmo nada com o que se alimentar e o calor e a fome se tornam progressivamente insuportáveis a ponto de doer.

Uma outra imagem mental clássica, é a do paciente com câncer terminal. O câncer provoca uma dor cada vez mais intensa. O remédio traz alívio por algumas horas, e nessas horas, a presença dos amigos e familiares junto com uma piada traz um riso gostoso e momentos de prazer em meio à dor e desilusão. Mas com a dor crescente, daqui a pouco não há presença de amigos e familiares ou mesmo a melhor piada que traga o sorriso de volta. Nesses momentos  não adianta estar em uma praia paradisíaca, um drink delicioso à disposição e uma grupo de músicos tocando uma canção agradável. A consciência só percebe a dor e então é melhor ir, dormir, não sentir. 

Uma vida sem dor seria uma vida sem ameaças, uma vida perfeita, onde teríamos o tempo inteiro esse paraíso. Não teríamos a sede que é uma sensação desagradável, é verdade, mas também não teríamos aquela sensação prazerosa de tomar um água bem gelada. Ou caso não tivéssemos aquela noite bem fria, também não faria muito sentido ficar debaixo do cobertor tomando aquele chocolate quentinho.

Talvez essa vida perfeita na qual não conheceríamos a dor fosse realmente preferível, afinal não sentiríamos falta das necessidades prazerosamente satisfeitas que não tenhamos vivido. Mas uma vez que estamos aqui e não conhecemos ninguém que viva essa tão almejada vida sem dor, devemos então olhar não apenas as sensações e momentos ruins isoladamente, mas o que em seguida, elas podem nos proporcionar de bom.

Resta-nos entender por que alguns sentem mais dores que os outros. Cada um nasceu em um dia diferente, hora diferente, minuto diferente. Pais e irmãos diferentes, locais diferentes. Por mais parecidos que possamos ser em algo, ainda assim, somos muito diferentes. Se nossos cabelos e olhos têm tonalidades diferentes, imagine a disposição dos mais de um trilhão de neurônios que temos no corpo. Não dá para sermos exatamente iguais. Nossas infâncias, os tombos que tivemos, o modo como nossos pais nos tratavam, as inseguranças pelas quais passamos, tudo isso modifica nosso cérebro. Como entendemos o mundo, como sentimos e entendemos nosso próprio corpo. O que para alguém pode ser mais uma escoriação boba, para outro será uma cicatriz imensa e horrorosa. Não dá para esperar que as pessoas sintam dores de forma igual. Ainda assim a maioria das pessoas não veem suas vidas paralisadas pela dor. E pessoas que de alguma forma se veem em uma situação de extremo desconforto podem não entender como as outras pessoas podem viver sem dor ou não entendem o por quê de sentirem tanta dor. E entender o porquê da dor é fundamental.

Existe uma causa e como tratar. Mesmo sendo tratada ela pode persistir. Como aliviá-la, como conviver e não deixar essa dor corromper tudo, tirando o brilho e não deixando você aproveitar as coisas boas da vida. Isso tudo exige um trabalho, um esforço e resta a você a escolha, se entregar ou enfrentar. Uma vida sem dor não existe, isso é fato.


Se algum dia estaremos livres de todas as dores não sabemos, mas é melhor acreditar que sim e aproveitar a vida que temos. Por que será bom nos lembrarmos do ventinho do ventilador na tarde quente, do pão com mortadela com aquela coca bem gelada, do almoço de domingo na casa dos pais ou quando juntos do grupo de amigos  contando aquela piada que fez todo mundo sorrir como se não houvesse amanhã. Até por que não há amanhã, a única coisa que realmente temos é o hoje, é o agora.

E a melhor invenção do mundo é o ventilador, desde que a tarde esteja quente, ou a coca desde que sintamos sede, ou a piada que nos faz rir nos momentos difíceis, ou o sorriso de quem se ama nos momentos de dor.

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