Reumatismo, a pele não esconde nada!

O que é Reumatismo?


São as doenças que tem como suas principais manifestações sinais e sintomas articulares, como rigidez, dor e inchaço. Essas doenças estão muito ligadas a um quadro exagerado de inflamação. A inflamação exagerada é decorrente de uma desregulação da atividade imunológica. Já o sistema imune são todas células e órgãos que protege o corpo da invasão de outros organismos, como vírus, bactérias e parasitas.

Porém existem várias condições reumáticas que não estão necessariamente ligadas à inflamação ou possuem um nível baixo ou mais localizado de inflamação, como a fibromialgia, a osteoartrite, dores nas costas, algumas tendinites ou bursites.


O que a pele tem a ver com isso?

A pele é o maior órgão do ser humano e a principal barreira que impede que outros organismos causem mal ao corpo como um todo. Para isso a pele tem uma estrutura altamente complexa e nela residem muitas células especializadas em combater possíveis invasores. Logo podemos dizer que a pele é o maior órgão do sistema imune. Portanto, qualquer disfunção do sistema imunológico irá afetar a pele de alguma forma.

E por mais que a pele em si não tenha alterações, como ela está diretamente sobre áreas inflamadas, através dela podemos ver alterações de estruturas mais profundas.


Qual a principal alteração da pele que indica que você possa ter algum tipo de reumatismo?

Quando se pensa em pele e doença reumática, a principal doença que nos vem à cabeça é o Lupus. Mas ao contrário do que se imagina, a maior parte das alterações de pele  estão associadas a outras doenças reumáticas. E a cena mais comum que vejo no consultório é a do paciente que se queixa de dores e não menciona alterações de pele, que em geral são negligenciadas. Ou o contrário, procuram o dermatologista por causa de lesões de pele e não mencionam queixas musculoesqueléticas.

As doenças reumáticas que o reumatologista mais trata no consultório são as que chamamos de doenças reumáticas NÃO imunologicamente mediadas, como fibromialgia e osteoartrite.

Não estão descritas alterações de pele características da fibromialgia, mas Pele e Boca Seca bem como Queda de Cabelo são queixas frequentes. Estes sintomas estão muito associados à Ansiedade e Depressão. Apesar de frequentes, essas são queixas inespecíficas, e podem estar associadas a outras doenças não reumáticas como Hipotireoidismo. Este por sua vez está ligado à Tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune. Essas alterações também podem estar associadas a outra doença reumática imunomediada chamada de Síndrome Sjögren.

Acantose Nigricans         Acrocórdons     Ceratose Pilar

Estrias        Celulite                         Ceratose plantar

Também não há alterações de pele que sejam características da Osteoartrite, mas como o Sobrepeso, Obesidade e a Resistência insulínica estão fortemente associadas a esse tipo de reumatismo, algumas das alterações de pele comuns em pacientes com Osteoartrite incluem a Acantose Nigricans, Acrocórdons, Ceratose Pilar, Estrias, Celulite e Hiperceratose Plantar.

Então lembre-se, as principais alterações de pele em pacientes com doenças reumáticas são aquelas mais comuns também na população em geral. Então não estranhe se o reumatologista prestar atenção na sua pele ou se o dermatologista perguntar se você sente dor em alguma parte do corpo, os bons médicos fazem isso.


“De vez em quando minha pele do rosto fica vermelha, principalmente quando pego sol. Falei isso para o meu/a minha ginecologista. Ele(a) pediu ‘esse’ exame que veio positivo. Ele pediu para eu ir no reumatologista/dermatologista urgente por que pode ser Lupus!”

                                                Rosácea versus Lupus Cutâneo Agudo


Muitos pacientes chegam desesperados no consultório com um resultado de FAN (ANA) positivo, pedido por algum médico. Hoje como estamos com a cultura de ‘tudo para agora’ tanto os pacientes quanto os médicos parecem mais ávidos para solicitarem exames a fim de ‘descobrir tudo’. Mas quem para um pouco para observar, percebe que muitas vezes o simples resultado de um exame pode causar muito mais mal do que a própria doença em muitos casos. Por isso é importante sempre relembrar que os exames são complementares. Ao chegar no consultório, os pacientes já ‘deram um Google’ e leram sobre todas as ‘desgraças’ que podem acontecer, quando muitas das vezes aquela lesão de pele é simplesmente uma Rosácea, por exemplo, uma condição benigna e facilmente tratável. E aquele resultado específico de FAN (ANA) é, inclusive, mais comum em pessoas saudáveis, ou seja, que não têm doença reumática autoimune alguma.

Perceba, a solução não é sempre procurar um especialista, porque mesmo o especialista que não ‘ganha tempo’ com você, perguntando, conversando, examinando, também irá fazer o diagnóstico errado e por consequência, tratar você de forma errada.


Dermatite seborreica versus Psoríase

Há poucos dias entra no meu consultório um jovem branco de 40 e poucos anos e obeso. Ele entra na sala mancando, senta na minha frente e vejo uma placa bem vermelha e com uma descamação grande. Antes dele começar a contar o por que tinha vindo ao reumatologista, eu já sabia o diagnóstico, Artrite Psoriásica. O que o paciente me contou a seguir também não me surpreendeu, ele vinha a anos com o diagnóstico de Dermatite Seborréica feito por um dermatologista, sem acompanhamento  regular. Também tinha dores nas costas e quadris há muitos anos, mas que pioram principalmente nos últimos dois anos. A dor estava presente em vários pontos do corpo, principalmente próximos aos tendões e que melhoravam bastante com anti-inflamatório. Já havia passado em ortopedistas e um reumatologista, recebendo o diagnóstico de tendinite. Fez vários exames, nesse meio tempo, que mostravam inflamação no sangue e vários pontos de calcificação na coluna. E ao contrário do que muitas vezes acontece, no laudo da ressonância não estava descrito discretas alterações inflamatórias na coluna que apesar de serem pequenas e poderem passar despercebidas, eram muito características das Espondiloartrites. O diagnóstico é fácil, e possivelmente, se ele tivesse sido reavaliado pelo dermatologista ou se o ortopedista tivesse visto que havia alterações inflamatórias na coluna ou ainda o reumatologista tivesse ‘ganhado tempo’ revisando os exames, o paciente poderia já estar recebendo o tratamento para psoríase e doença articular inflamatória crônica e portanto com uma melhor qualidade de vida todo esse tempo.


Quando as ‘espinhas’ indicam uma doença sistêmica?

Psoríase Gutata             Hidradenite Lesão gonocócica

Pseudofoliculite                                                    Patergia


Particularmente hoje em dia não acredito que acne seja algo ‘normal’ de uma fase da vida, mesmo na puberdade quando as famigeradas espinhas aparecem, deve-se tomar cuidados para que elas não causem cicatrizes desnecessárias para o resto da vida. Após esse período da vida, definitivamente o aparecimento dessas pequenas pústulas sempre indicam algum problema, seja um desbalanço hormonal transitório, aquelas espinhas chatas que costumam aparecer próximas de datas importantes e rapidamente desaparecem sem causar grandes transtornos ou quando elas são mais crônicas ou recorrentes, indicando uma desregulação hormonal ou alguma doença infecciosa ou inflamatória. Quando chega um paciente no consultório do reumatologista com essas lesões, nós damos asas à nossa imaginação. Um sem número de doenças reumáticas podem estar associadas a essas lesões.

Pacientes que costumam ter dor articular, inchaço na articulação e apresentam pústulas principalmente em região de membros, nos acende a luz vermelha para possibilidade de Artrite Gonocócica, um doença sexualmente transmissível. A grande dica aqui é simples, não tenha vergonha, fale que você teve relação sexual desprotegida e os sintomas genitourinários.

Já a Artrite Psoriásica é muitas vezes capciosa, e o diagnóstico pode estar escondido nas ‘espinhas’ que os pacientes apresentam principalmente em região de tronco.

    Um dos quadros que mais podem confundir os médicos são a Pseudofoliculite e a Hidradenite Supurativa, a primeira pode ocorrer muito frequentemente no rosto, nos fazendo acreditar que seja realmente um quadro primário de acne e o segundo por que na maioria das vezes não está associado a doenças reumáticas. Mas quando ambos aparecem associados, principalmente quando o paciente apresenta úlceras orais ou genitais recorrentes, há uma grande chance desse paciente ter Doença de Behçet, uma Vasculite.

Então você deve se preocupar com qualquer ‘espinha’ que aparece no corpo? Definitivamente não. Mas se aparecer alguma nas palmas das mãos ou do pés ou se forem muito recorrentes e crônicas, com certeza elas devem ser melhor investigadas, principalmente se você apresenta fadiga crônica ou dores articulares.


Meus dedos ficam roxos e brancos, parece que o sangue foge nesse frio, isso é reumatismo?’

Livedo     Puffy Hands Esclerodactilia


Esse é um dos principais sinais das chamadas Colagenoses, ou seja, as doenças da ‘família’ do Lupus. O Fenômeno de Raynaud (FRy) também pode estar presente em pessoas saudáveis. Quando um paciente procura primeiro o dermatologista e ele percebe o Fenômeno de Raynaud, em geral é um quadro mais preocupante, por que o paciente em geral, não procura o dermatologista pelo Fenômeno de Raynaud em si, mas por outras alterações da pele que já indicam doenças mais sérias. Essas outras alterações podem ser o Livedo ou Puffy Hands, que podem confundir até mesmo com um quadro alérgico. Quando está presente a Esclerodactilia associada ao FRy é praticamente diagnóstico de Esclerose Sistêmica.

Todo mundo que tem FRy precisa procurar um reumatologista? Na prática, eu diria que sim. Mas alguns sinais de alerta, fazem com que uma avaliação mais urgente seja realizada. O aparecimento após os 30 anos, ou quando as crises ocorrem apenas em uma mão ou em apenas alguns dedos da mão, ou ainda se exames de sangue mostram algum tipo de alteração.


Os remédios para reumatismo podem afetar minha pele?

            ‘Pele fina’                 Telangiectasias


A maioria das medicações que são efetivas para doenças reumáticas interferem na inflamação, mas lembre-se de que a inflamação também faz parte da resposta fisiológica do organismo, ou seja, alguma inflamação é normal. E o crescimento e regeneração das células principalmente as das células da pele, unha e cabelos, que possuem alto Turnover, podem ser afetadas pelo uso de algumas das medicações que utilizamos. Vamos falar principalmente do corticoide, metotrexate e hidroxicloroquina.

O Corticóide em altas doses e por tempo prolongado, inclusive os de uso tópico, pode causar adelgaçamento da pele e aparecimento de telangiectasias, por isso é muito importante se utilizar essa medicação da forma mais adequada possível.

Apesar de muito lembrado como uma das causas da queda de cabelo, o Metotrexate é responsável por apenas 1 a 3% dos casos. Na maioria das vezes, a queda de cabelo em pacientes com artrite ou outras doenças reumáticas imunomediadas são mais associadas à própria atividade inflamatória da doença. Além disso, em alguns casos, o metotrexate pode até ser usado para tratamento de Alopecia Aerata, doença autoimune, que leva à perda permanente de cabelo. De qualquer forma, o uso regular de ácido fólico como preconizado reduz muito a possibilidade dessa complicação.


A Cloroquina ou Hidroxicloroquina é uma medicação que possui muitos benefícios principalmente para pacientes com Lupus e alguns pacientes com quadros leves de artrite. Na grande maioria das vezes, o uso dessa medicação não trará efeitos adversos, mas ela é uma substância que se acumula no organismo ao longo dos anos. Isso não significa que ela trará necessariamente malefícios. Mas ela também pode se acumular na pele, dando essa coloração discretamente acinzentada. O uso adequado para o peso e condições clínicas do paciente é muito importante para evitar ocorrência de casos mais incômodos esteticamente.


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